Por Mia Lopes
A primeira vez que escutei essa pergunta eu estava em um evento sobre inovação no setor esportivo. Sempre sou muito participativa e no momento da plateia, levantei a mão, me apresentei, falei do Afro Esporte e fiz uma pergunta.
Ao final do evento fui abordada por um homem interessado em fazer parceria, disse que o Afro Esporte era uma iniciativa legal e bla bla bla, mas que estava curioso para saber “Mia, você é o que para falar de esporte?” Como assim? E jornalista não é suficiente?
A síndrome da impostora fez morada em mim. Passei a acreditar que eu precisava de uma graduação em educação física ou de um MBA para falar de esporte. Cheguei a fazer um curso de boxe olímpico dirigido por Luiz Dórea, para ser esse "algo a mais".
Mas algo lá no fundo avisava que esse pensamento estava equivocado.
Por que para um homem basta gostar de futebol ou bater uma bolinha que ele já é o super especialista para falar de esporte? Enquanto uma mulher (e preta) precisa mil diplomas para validar o direito de ter voz.
Junior Cocielo, “apenas” humorista, fez comentários racistas no twitter, comparando um jogador negro correndo em campo com um ladrão correndo da polícia e agora apresenta um programa esportivo na TV. Será que alguém perguntou o que ele é para falar de esporte?
Pois, hoje, contarei quem sou para falar de esporte:
Sou Mia Lopes, filha de Hilda Gomes, uma sacoleira que me deu uma infância repleta de experiências esportivas e filha de Raimundo Lopes, eletricista que engendrou em mim a paixão pelo boxe. Entrei no boxe aos 16 anos, mas abandonei por falta de incentivo e apoio.
Nas minhas veias correm o sangue de João do Pulo, Melânia Luz, Wanda dos Santos, Irenice Rodrigues e tantos outros ancestrais negros que fizeram história no mundo do esporte.
Não é um diploma que autoriza uma mulher a praticar ou falar de esporte, basta vontade.
Sou mulher, preta, lésbica, da periferia de Salvador e apaixonada por esporte. Isso já é o suficiente para falar de esporte.
Dedico esse texto a todas as mulheres que amam esporte e que um dia já foi silenciada ou diminuída, mas que seguem.
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